Monday, October 16, 2006

Viagem na (in)felicidade cotidiana - cap.01

Sergio era um cara só. Ele gostava de ser só.

Trabalhava como programador em uma dessas empresas de software. E desde que se mudou para São Paulo, há uns três anos, só pensava em trabalhar, o que lhe rendeu promoções e bonificações. Era o que mais trabalhava no departamento de “programação sistemática de dados”.

Sergio não tinha amigos. Ele não desejava mesmo te-los.

Tomava cerveja de vez em quando com os “colegas” do trabalho, mas não se envolvia o suficiente com nenhum deles para que possamos considerar uma amizade. Sergio não gostava muito de falar e por isso as pessoas achavam que era tímido, ou coisa do tipo, mas a verdade era que ele não tinha apreço algum pelo diálogo.

Na vida amorosa, um fato merece destaque: de tanto ELA insistir, Sergio acabou saindo pra jantar com a recepcionista da empresa. Ela achava que ele era um bom homem pra se casar, um “homem sério”. Afinal ele ganhava bem e poderia mesmo dar um bom futuro para sua mulher. Saíram mais algumas vezes e logo estavam namorando. É difícil dizer que Sergio gostava dela, ele simplesmente a aceitava e eles obviamente não conversavam muito sobre sua relação. Meio desanimados, eles faziam amor aos sábados, quando dormiam juntos na casa do “programador sistemático de dados”. Para Cristina estava bem assim, o importante para ela era que tinha um bom partido em mãos.

O fato era que Sergio não tinha gosto pela companhia humana. Irritava-se fácil com as pessoas e varias vezes pedia para Cristina ir dormir na sua própria casa porque queria ficar sozinho. Preferia ficar com seus pensamentos, e suas idéias em paz, como ele mesmo dizia. Era uma espécie de fobia, um tipo de intolerância à vida social.

Eram raros os dias em que Sergio se demonstrava satisfeito com a vida, mas quando ficou sabendo que poderia trabalhar em casa, sorriu como há muito não fazia. Uma multinacional comprou a empresa e para cortar custos sugeriu que seus programadores trabalhassem em casa. Eles teriam apenas que estar on-line para que transmitissem os relatórios e os dados diariamente. Os que quisessem poderiam continuar trabalhando no escritório, mas claro que Sergio, no outro dia mesmo, já estava em casa em seu computador longe de qualquer ser vivo.

Acordava cedo e até conseguiu criar uma rotina. Saia as vezes de casa apenas pra comer, o que ele odiava fazer. Ele pediu que todas as suas contas, luz, água, telefone, gás, fossem debitadas automaticamente de sua conta corrente para que não precisasse ir mais ao banco. Começou a fazer compras pela internet, o que lhe poupou sair de casa para se alimentar. Como não ia mais ao escritório deixou de ver Cristina, que ficou sem saber o que aconteceu, quando ele mandou um e-mail dizendo que estava tudo acabado.

No terceiro mês ele já conseguia ficar 10 dias sem sair de casa. Muito raramente ia até a banca comprar alguma revista e tomar um pouco de sol. Hábito que foi também abandonado no quarto mês. Quando sentia a necessidade de transar Sergio se masturbava mesmo, sem cerimônia. Pra falar a verdade ele sempre teve mais prazer com suas mãos do que Cristina. Em não poucas vezes ele “tocava uma” após o coito com a antiga namorada pra se satisfazer.

Ele ficou todos os dias do quinto mês sem sair de casa e a única pessoa com a qual ele tinha contato era a faxineira que, por sinal, odiava ter que limpar aquele apartamento cheio de restos de comida e roupas jogadas por todos os cantos. A empregada tinha o péssimo hábito (para Sergio) de ficar fazendo perguntas a respeito da vida do pobre coitado que só queria não falar. No sétimo mês ele mandou a faxineira embora e decidiu que ele mesmo iria arrumar sua casa. Foi neste mesmo período que pediu para a empresa de telefonia cortar seu telefone, ele não precisava, já que poderia comunicar-se através da internet. Alias, falando em internet, Sergio chegou a se aventurar em salas de bate-papo, mas acreditem, nem mesmo on-line ele tinha gosto pelas pessoas.

Sergio alcançou sua vitória, tornar-se o humano mais sozinho da face da terra. Ele não ligava para isso.

O destino então decidiu mudar a sua pacata sobrevivência. Num dia comum, nosso solitário personagem, acordou, como de costume, às 8 horas, tomou café e se sentou ao computador. Achou estranho quando interfonaram da recepção do prédio e não disseram nada, mas achou mais esquisito ainda quando tentou dizer alguma coisa ao porteiro e não conseguiu. As palavras lhe faltaram. Não ligou muito, achou que era muito cedo e ainda não tinha acordado muito bem. Até abriu as janelas para que ele despertasse com a luz que já era pouco naquele apartamento fedendo a mofo. Tinha acabado de sentar ao computador para trabalhar, quando ouviu baterem na porta. Nesta altura ele já adquirira um misto de medo e raiva das pessoas. Não lembrava muito bem como era conversar com alguém, perguntar, responder, não saberia como usar os pronomes de tratamento. Esperou mais um pouco, no entanto a pessoa insistia em bater e cada vez mais forte. Muito irritado, Sergio levantou com um golpe na mesa do computador e abriu a porta. Foi bruscamente jogado para dentro do seu apartamento por dois homens encapuzados, que anunciaram o assalto. Um deles tinha uma arma (um três oitão bem antigo) e perguntava a Sergio do dinheiro enquanto o outro jogava tudo que encontrava de valor dentro da mochila. O assaltante armado e agora totalmente impaciente, pois Sergio não respondia, começou a chutá-lo no chão. Sergio fazia compras apenas pela internet e não era provido de muito dinheiro, mas ainda sim tinha um bocado guardado debaixo do colchão. Mas Sergio estava impossibilitado de dizer onde estava a grana, tinha perdido uma capacidade básica a nós humanos. Ele desaprendeu a falar. Tanto tempo conversando consigo apenas por meio dos pensamentos e comunicando somente através de e-mails e mensagens instantâneas, fizeram com que atrofiasse todos os músculos e nervos envolvidos no processo da fala. Sem conseguir falar, Sergio ficava gesticulando, porém não conseguia conter a irritação do assaltante. Foi quando Sergio tentou levantar para indicar onde estava o dinheiro, que foi atingido com um pancada na cabeça. O assaltante se assustou e já bastante nervoso deu uma coronhada na cabeça de Sergio.

Depois vocês podem imaginar o que se passou: policia, ambulância, hospital, etc. A família de Sergio, que era do Pará foi avisada de que ele tinha entrado em coma por tempo indeterminado e só poderia respirar com ajuda de aparelhos.

A vida realmente aprontou com Sergio. Ele adorou.

As enfermeiras do hospital dizem que as vezes ele parece sorrir, o que é de se estranhar, já que ele nunca fora assim digamos, feliz. Apesar de estar em coma, eu tomei a liberdade de concluir que Sergio realmente está satisfeito agora. Dá pra ver em seus olhos, ele finalmente conseguiu ficar em paz num quarto de hospital. Sua família, dificilmente vai visitá-lo e a presença das enfermeiras e médicos quase sempre é silenciosa. Ele tem apenas, e isso basta meu caro leitor, seus pensamentos para resto da vida. Não tem que expressa-los, dizê-los, apenas pensá-los. Ele poderia enfim ficar totalmente a sós.

1 Comment:

Vidas que falam said...

Que meu namorado não se torne um Sérgio da vida, ....rs.