Tuesday, June 30, 2009

Epifanias - Maracatu

- Hola.
- Olá.
- Por favor los documentos.
- Sim.
- Su linterna no funciona.
- O que? Yo no ablo espanhol. Do you speak english?
- Su cartera está perdiendo usted.
- Dooo youuu s p e a k...
- Puedes decirme lo que está haciendo esta señora y en el Cusco con fusca verde?

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E o que me restava era só agarrar naquela ilusão de felicidade, num emprego e no bar. Abraçar com toda força a falta de rumo e plumo. Esbaldar com a preguiça atrofiante daqueles dias frios de maio. Era tudo o que me sobrava, migalhas de aventura e uma saudade de tudo aquilo que nunca haveria de acontecer. É meu amigo, dias vazios assim fica difícil até para os pulmões se enxerem. E essa tosse que não me larga...

Mas nunca duvide do caos meu caro leitor. Períodos de tamanho equilíbrio vêm acompanhados de grandes movimentos sísmicos. Terremotos na realidade estavam por vir. Eu podia cheirar, já senti este fedor antes. O gosto da morte novamente na minha boca. Será que é medo? Ou é só uma ardência no meu peito.

E o terremoto começou com uma pequena vibração, do meu celular, que eu nem lembrava mais que tinha. 9212-3696. “Alô?” “Você não vai vir não?” Todos meus neurônios trabalharam em menos de 01 segundo para responder a voz do outro lado que era engano e que ele tinha ligado errado. Afinal, eu não conhecia a voz, o número muito menos e pela música de fundo me parecia que o sujeito do outro lado da linha já esperava outro sujeito numa festa ou seja lá o que seria. Mas aparentemente forças ocultas dentro do meu sistema nervoso fizeram com que a resposta fosse outra, uma pergunta: “Onde?” “Anota aí...” Como dizia o porteiro careca do turno da noite: “é nos detalhes que o diabo se diverte”.

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Taí uma pergunta muito oportuna: o que que eu estou fazendo aqui? Ok, representar o escritório numa feira de construção ou uma palestra sobre os rumos da arquitetura, vá lá. Mas em festinha hypada deste cara. Tem dó né. Puta que pariu com a Claudinha me pedir pra eu comparecer. “Vai lá, faz um social e volta pra gente terminar o projeto”. Voltar pro escritório? Ela deve estar é muito loca. Eu despencar até este fim do mundo, enfrentar a marginal lotada e ainda voltar e trabalhar. Eu vou é pra casa desmaiar na cama. Mas a merda é que eu preciso pelo menos trocar um cartão com o dono da casa. E como é que eu vou me apresentar para aquela bixa afetada? Oi eu sou fulana, trabalho com a Claudinha e... você tem um cartão? O cara vai me achar uma desmiolada. Capaz até de chamar um segurança. Bom, vou tomar um champs. Aproveitar que é de graça. Puta, pegar um taça e não tem ninguém pra brindar é foda. Aliás, não ter ninguém pra dar hoje também é foda viu. Mas também com tanta mudança assim fica difícil começar até um namorico. Muda de cidade, sai do emprego, muda de casa, volta pra cidade, arruma outro emprego, hotel, apartamento novo, sai do emprego denovo, volta pro primeiro. Isso tudo em 02 anos é um pouco demais, até pra mim. Isso sem contar o mês em Londres. Fica difícil mesmo alguma coisa grudar neste corpo magrelo e nesta alma escorregadia. “Moço quero outra taça”. Nossa, não é que uma tacinha já me deixou meio tontinha. Vou comer um canaps.

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O endereço indicava um casarão antigo, cheio de detalhes nouveau. Janelas e portas de vidro mostravam que imóvel tinha sofrido uma reforma eu diria um tanto quanto pop-modernista. Paro ou não paro? A indecisão é um dos piores defeitos do homem. E este defeito eu carregava desde a maternidade. Segundo minha mãe era porque, na hora do nascimento o médico ficou pensando em qual lado da bunda bater pra eu chorar. Acabou não batendo em nenhum lado e eu também não chorei. Ficou por isso mesmo. Médico filho da puta, porque não bateu logo na minha bunda e resolvido o problema. Agora estou na terceira volta no quarteirão pra decidir se fico ou não nesta festa.

Um fusca verde me chamou a atenção na porta. Fuscas me chamam atenção. No jardim tinha uma daquelas vacas coloridas de acrílico que estão por todo lado. Uma vaca de headphones.

Mais uma volta no quarteirão e uma vaga apareceu. Logo na frente do azeitona verde. Era assim que chamávamos o fusca verde do meu avô. Pensei logo ser um sinal esta vaga. Meu avô sumiu de casa quando eu tinha 16 anos. Sinceramente o desaparecimento do velho safado não tinha me causado tanta tristeza, tanto quanto pelo fato dele ter fugido com o carro, que segundo minha mãe seria meu um dia. Fiquei sem avô e sem carro. Não segurei a risada com o pensamento que talvez tenha sido ele o responsável pela ligação e quem sabe o carro era dele mesmo.

“Puta que pariu”. Bater no farol do fusca não estava nos meu planos. Será que eu fujo? Melhor procurar o dono e avisar.


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Nossa, o banheiro tá punk. Agora que virou moda este lance de banheiro misto, ir mijar virou uma aventura. Antigamente existia um pacto selado entre nós mulheres. O banheiro sempre foi território neutro, mesmo se sua pior inimiga desse uma cagadinha, você nunca falaria para alguém. Agora, fica difícil até soltar um pum porque o banheiro ta lotado de gatinhos. E o engraçado é que nestes banheiros as sapatas vivem se pegando, como se antes elas não mijassem juntas.

Caralho. O que este cara ta fazendo aqui? Gente, eu tô tremendo. “Garçom, me traz outra taça.” Será que vou lá? Segura tua onda. Você viu este sujeito uma vez só e ainda por cima no carnaval. Ah, mas porra, eu to aqui sozinha mesmo. Num custa nada. Não, melhor eu esperar. Se ele me ver é sinal que lembra. Preciso fumar. “Garçom, tem fogo?”. Puta que pariu, nunca vi garçom sem isqueiro. Eu vou lá. “Oi, por gentileza, tem fogo? Obrigado.”

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Bom, pelo menos tem muita gente bonita e até que interessante. Não posso reclamar da recepção. Tem Whisky para um caminhão de gente. O jeito é beber e relaxar, afinal eu já vim aqui e fiz minha parte. O resto é esperar a ordem das caosas. Senti alguém me cutucando e uma voz que não me era estranha.

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- “Tenho sim.”
- “Você lembra de mim? Carnaval, Olinda, Maracatu...?”

Claro que eu lembrava. Senti um soco na barriga quando as imagens voltaram na memória. Eu duvidava se aquele dia tinha realmente existido. Aquele calor nordestino misturado com vodka e ecstasy transformaram a quarta-feira de cinzas em um dia completamente onírico. Desconfiei de tudo que aconteceu naquele carnaval de 2004, e confesso que naquela noite senti uma certa satisfação de ter chegado vivo no hotel em Recife. Cinco anos já se passaram e eu podia sentir o gosto daquele beijo.

- “Claro que lembro. Desculpa, só não lembro do nome.”

Putz, ele não lembra nem do nome. Que merda. Será que eu falei? Quem nos apresentou mesmo? Nossa, ninguém. Fui pegar uma cerveja e lembro de um cara muito doido dizendo que eu tinha mudado a vida dele. E disparou a falar sem parar. Falando e dançando como um mamolengo na batida dos tambores. Achei aquilo muito engraçado.

- “Imagina, não tem problema. Faz cinco anos também né.”

Faz cinco anos, desde que dei meu último suspiro de liberdade. Depois daquele carnaval, a vida foi uma sequência interminável de sub-empregos em agências de publicidade, compromissos casuais e atividades completamente incompatíveis com tudo o que eu tinha planejado.

- “Aposto que você também não lembra do meu?”

Lembrar como. Depois de tanto cabrobró na cabeça eu consigo lembrar apenas que nós dois, aos beijos, entrando em um daqueles becos do centro de Olinda. A coisa chegou a tal ponto que a gente parecia coisa só, tropeçando nas calçadas.

- “Nossa, fiquei com vergonha agora. Não lembro mesmo.”

Vergonha, definitivamente nós não tivemos quando trepamos como cães naquela rua sem saída. Atrás de uma Kombi, com uma peruca brilhante vermelha, bêbado eu era um homem livre. Nem o cheiro de urina e o medo de ser assaltado, diminuíram a intensidade do ato.

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Conversamos amenidades por horas. Por mais que todas as células do meu corpo estivessem conspirando para carregá-la a força para algum lugar eu fiquei ali, reparando em cada detalhe do seu rosto. Do jeito de falar e arregalar os olhos quando queria exaltar algo. Eu queria levar ela embora. Mas levar pra onde? Pra minha casa? O que eu faço com minha mulher? Pra casa dela? Será que é casada? Motel? Acho que eu nem sei onde tem um motel aqui em São Paulo. Talvez um hotel mesmo. Quem sabe o Formula 1 da consolação.

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Eu não parei de falar nenhum minuto. Não deixei o cara falar. Por que ele não me para de olhar. Será que eu to com titica no nariz? Pô, mas ele não vai me chamar pra casa dele? Sei lá, eu toda me oferecendo e o cara não fala nada. Eu bem que namoraria um cara desses viu. Lavava até as cuecas se fosse preciso. Vai meu filho, me chama pra sair daqui.

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- Você quer sair daqui?
- Claro, aqui ta muito barulho.
- Podemos ir pra sua casa?
- Pior que não viu. Eu to morando com umas meninas e hoje é dia de festinha lá em casa. Deve estar uma confusão dos infernos. Vamo pra sua?
- Pra minha? Acho que não. Sei lá, estava pensando que talvez pudéssemos fazer uma viagem.
- Sério? Agora?
- É, eu estava imaginando algo como o Peru.
- Pára. Você ta dando pala.
- Faz tempo que eu não falo tão sério.
- Cara, mas ir assim, sem malas, sem avisar, sem despedir?
- Por que não?

Monday, June 01, 2009

o retorno de Saturno

Você descobre que está sozinho. Tão logo desconfia que está adulto.

hellfrick