Thursday, March 19, 2009

Tá foda encontrar inspiração nesta porra

O confronto foi inevitável com o maldito vizinho. O filho da puta ficou parado no corredor em frente à minha porta insultando todos os adjetivos possíveis do nosso idioma tupiniquim. Eu nunca lembrava o nome do infeliz, chamava sempre de “o cara do 103”. Me parecia ser legal, vivia metido no apartamento com umas gatinhas meios hippies, acendendo incenso e cantando uns mantras. De vez em quando chegava o doce aroma da canabis na minha janela e certo dia quase toquei a campainha do maluco pra propor uma troca: meio litro de conhaque e dois bifes de boi em troca de um fininho. Por fim acabei desistindo do plano. Nestes tempos de crise macro-econômica-mundial é melhor ter guardado este tipo de coisa. Depois de quase meia hora eu resolvi abrir a porta e enfrentar o maconherinho. Nunca achei que um cara deste tipo fosse capaz de surtar, ainda mais às 3 da manhã. Nesta altura até a branquela do 201, que toma trocentos comprimidos para dormir já devia estar frenética. Tanta irritação só porque eu arremessei agora a pouco a maquina de escrever pela janela, que esbarrou, vamos dizer, de leve na persiana dele. Estava destrancando a porta para tentar, quem sabe dar uns golpes, voltei atrás. Este pessoal que faz Yoga acaba ficando meio forte. Sei Lá, quem sabe o cara conhece aqueles jeitos de assassinar alguém só com dois dedos. Quem sabe até com um.

Será que pode dar certo se eu for lá fora e tentar explicar meus motivos? Será que ele vai entender se eu disser que eu, de jeito nenhum, de forma alguma, consigo encontrar inspiração. Que por mais que eu procure nos livros, jornais velhos, garrafas de conhaque não consigo escrever uma linha sequer que preste. Uma amiga disse que é saudade de San Pablo. Outro me lembrou que a certa idade a coisa complica mesmo, que lá pelos 30 e poucos, ou você está de um lado ou fica do outro. Mesmo sem saber muito bem que lados são estes, é bem provável que eu fique mesmo em cima do muro. Mas a melhor tese mesmo é do fotógrafo junkie que vive fotografando putas no centro da cidade. Segundo ele, esta cidade da qual eu resolvi muito inexplicavelmente morar não tem cheiro e que coisas sem cheiro não tem alma. É bem verdade que desde que mudei para estes lados a coisa anda pra lá de preta. É verdade também que eu ando passando tempo demais trancado em casa. Sem os cabróns, minhas perambulações na madrugada estão absolutamente inativas.

Talvez seja necessário sair mesmo para procurar a tal inspiración. Mas preciso sair agora. Eu tenho que achá-la. Pode ser que inevitavelmente ela venha, mas não dá mais pra esperar. Ainda preciso ultrapassar meu vizinho que há 15 minutos está aparentemente tentando derrubar a porta para provavelmente me agredir. Pensei em pegar uma faca e dar um susto. Mas e se ele conseguir pegar a faca? Morres esfaqueado hoje não está nos meus planos (se lá fosse um revolver). E não é que foi a barata que caminhava em cima da TV que me deu a idéia?! Abri a porta espirrando aquele Detefon (mata tudo, até o bicho cabeludo) mais fedorento na cara do safado. Tá certo que todas as super baratas moradoras da minha casa, já nem espirram com o spray, mas pro fungador de incenso, a história é outra. Saí do prédio ele ainda estava gritando com a mão no olho. “Você não fecha o olho pra fazer Yoga? Vamos ver se consegue ficar ceguinho por um tempo.” Dei boas risadas no caminho para a estação. Achei por bem tomar um docinho antes de começar a procurar.

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Achei estranho não ter absolutamente ninguém na estação. Nenhum guarda noturno, mendigo, pivete. Vazio. Pra falar a verdade nem o vento estava por lá. Pulei a catraca (tudo tem seu lado bom) muito desconfiado de que não passaria trem algum. Por um instante achei que tinha ido pra outro lugar, sei lá, errado o caminho. Fiz as contas pra saber ser era feriado. Será que eu fiquei tempo demais em casa e esta porra nem funciona mais. Estes pensamentos foram embora quando eu vi o farol do trem se aproximando. Não estava rápido como de costume, e o painel eletrônico que indica o destino estava confuso, tipo embaralhando as letras. Muita surpresa eu tive quando vi que não tinha nenhum operador. Caralho, mas que porra é essa? A coisa começou a ficar meio estranha agora: meus pés estão gelados e meu saco está pegando fogo. Aquele velho sentimento de desconfiança começou a tomar conta de mim, quando as portas do vagão se abriram. Cabrero do jeito que eu estava, claro que eu não entrei. Fiquei uns 15 minutos em pé olhando para a porra do metrô que não ia embora. Ficava olhando para mim, com cara de convite. Eu andava de um lado para o outro. Comecei a gritar: “O que você quer”. Pode ser um sinal, pensei. Alguém pode estar querendo me ajudar. Ajudar a encontrá-la. Entrei.

Uma voz de locutora de bingo saiu dos microfones: “dez”. Instintivamente meus olhos buscaram uma cartela que estava no banco ao lado. “Quatro”. Cara, eu vou te dizer, pra você conseguir entender que um sorteio está ocorrendo dentro de um trem de metrô é um caminho muito tortuoso que sua mente precisa percorrer. “Oitenta e dois”. Opa, parece que eu estou com sorte. Sorte que nada, a velocidade do trem aumentou assustadoramente, eliminando qualquer possibilidade de se movimentar no banco. Olhei pela janela e vi outros trens, como se tivessem competindo. Uns ficavam pra trás, outros continuavam no páreo do jeito que dava. Visualizei um imenso e brilhante globo laranja. Parecia uma meleca gigante e o trem em rota de colisão. Nesta altura do campeonato eu não via mais vestígios de cidade ou de qualquer coisa. Era tudo preto em volta. Como uma pedra que mergulha no mar, nós (o trem + eu) adentra na imensidão laranja. O Baque não foi fácil. A pressão foi tanta que acabei desmaiando.

Acordei me sentindo um bebê. Chorei quando alguém bateu três na minha bunda. Indignado com aquilo tudo me veio o pensamento: ta foda encontrar inspiração nesta porra.

Hellfick

Wednesday, March 04, 2009

Leminski é foda nº2

Quem não sabe, no fundo, amor é invenção do coração da mulher, que ela tenta vender para o primeiro que aparecer e o seguinte, e o seguinte, e o seguinte, e assim por diante até aquela cena de sangue num bar da Avenida São João, que só vem para provar, de uma vez por todas, que alguém e ninguém não são iguais, e dali saem para lamber o sangue de suas patas, meditando a próxima vingança.

Leminski

Leminski é foda - nº 1

"assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós"


Leminski