Thursday, June 16, 2011

O peso e a leveza da queda


Tomar consciência da sua partida foi como ser arremessado a 300 km por hora contra um oceano. O mergulho foi tão violento que meus pêlos foram arrancados e eu pude ver o sangue saindo pelo nariz e se dispersar na imensidão do mar. Eu tentei chorar. Eu queria berrar, mas todo aquele mundo de água ao redor, a escuridão... e eu atravessando como uma flecha atirada por deus, pelo diabo, ou sei lá por quem. Sem oxigênio eu apenas aceito com resignação o fim. O nosso fim. Meus pulmões suplicam por um pouco de ar e antes do último suspiro eu aterriso feito um míssil na cama. Inspiro com força e sugo todo o ar que meu peito pode suportar. Expiro um grito de dor e as lágrimas brotam sinalizando que ainda estou vivo. Encolhido no canto do colchão eu consigo apenas sentir e pensar nas dores causadas pela viagem. Depois do seu adeus, a perspectiva do mundo tinha se alterado. Tudo convergia para mim, como se eu, naquela cama fosse um mini buraco negro. Eu parecia atrair tudo em minha própria direção. Meu quarto assumiu um aspecto estranho. Os defeitos na parede e os detalhes do piso inevitavelmente me fizeram pensar que era um ambiente diferente. Um lugar que sem a tua presença era absolutamente novo pra mim. O som da televisão fora do ar selava que a solidão realmente era um fato. Completamente exausto eu adormeço no travesseiro molhado de choro.

Acordo e tenho a sensação de que uma parte do peito foi massacrada. A lembrança da sua despedida faz meu estômago arder um pouco, mas meu corpo está debilitado demais e a alma está com vergonha de sofrer. Esforço-me para encontrar uma ponta de conforto em qualquer pensamento que esteja flutuando em minha cabeça. Tento pensar em Deus. E devagar, de maneira muito embrionária, alguma coisa, um neurônio, um transmissor cerebral, alguma energia elétrica vai tomando a forma de esperança. Começo a aceitar e acostumar com o buraco no lado esquerdo do tórax. O sangue secou e preciso agora limpar a ferida. Lembro que ainda tenho um álcool em gel que comprei em Londres. O telefone toca e um caminhão carregado de realidade descarrega em cima de mim fatos inexoráveis dessa vida. Tenho emprego, carro e uma conta de aluguel pra pagar. Isso me faz arregalar os olhos. Preciso reagir. Movimento minhas pernas e sinto um prazer em descobrir que elas respondem perfeitamente. Junto toda força na tentativa de me levantar e já em pé ameaço uma comemoração. Saio de casa orgulhoso. No caminho para o trabalho sopra um vento morno, agradável para estes dias de outono. O vento percorre meu corpo regenerando todos os machucados, inclusive a cratera do peito. Meus pulmões, que antes permitiam apenas uma respiração curta, trabalham agora lenta e longamente. Pela primeira vez desde a queda, um sentimento de felicidade começa a nascer e posso reconhecer uma sensação nova. No primeiro momento parece ser alguma espécie de liberdade, mas logo amadurece para uma leveza que há muito tempo não sinto. Aumento o ritmo dos meus passos. Estou feliz. Sei que esta leveza é insustentável e logo o peso da sua ausência irá mostrar sua medida novamente. Por hora, apenas caminho numa estrada de repleta de novas possibilidades.

Hellfrick