Wednesday, March 16, 2011

Atrizes


O ultimo sinal do teatro toca e meu coração dispara como se fosse o próprio sino. Minhas mãos estão suadas. Seguro firme o apoio da poltrona como se fosse decolar. Consigo sentir a textura do metal enferrujado, que me provoca um gosto estranho na boca. O cheiro nauseante de mofo me leva a pensar que talvez fosse sensato abrir um buraco no teto para que o sol entre de vez em quando. As luzes se apagam. O bom senso do mundo inteiro alerta que devo correr até a saída, mas estou nervoso demais pra levantar.

O espetáculo começa. Ela entra em cena. Meus olhos a buscam como se fossem anticorpos atrás de uma bactéria. Minha aflição é notável. Eu precisava vê-la mais uma vez. Desde que foi embora minha existência se resume a buscar fragmentos do que sobrou de nós, do mesmo jeito que fazemos quando queremos prolongar o efeito da droga. Vou mudar desta cidade. Tudo lembra ela, tudo fede a ela. Estas ruas do centro estão impregnadas com seu perfume. Os becos ecoam suas risadas. A fumaça são tragos no seu cigarro. Mas antes de ir tenho que encontrá-la para sempre ter na memória o início de tudo, talvez a única parte desta história que vale a pena contar.

Início que aconteceu nesse mesmo teatro mofado, quando vim ver uma peça escrita por um amigo. Roteiro que hoje sei de cor, de tantas vezes que vim vê-la atuando. Os lábios finos, sempre úmidos, dizendo palavras de amor com tanta doçura e tristeza, me fizeram quase um morador deste lugar. Aqueles olhos diabólicos lhe emprestavam uma aparência irônica, mesmo quando ela estava realmente triste. E quando os olhos dessa diaba perceberam minha presença freqüente em suas apresentações, passou a encenar especialmente para seu atento espectador. Por várias vezes eu tive a sensação de ser a única pessoa sentada ali na platéia. Solitário na minha devoção, eu acompanhava cada gesto, músculo estendido, cada nervo esticado. E na cena em que ficava nua, atuava com tanta sensualidade que meu coração parecia bombear sangue suficiente para um javali.

Numa dessas dezenas de apresentações que assisti, nessas inúmeras vezes que assentei na primeira fila, percebi algo diferente. Não era ela. Estava mais agressiva. As veias estavam saltadas no pescoço. O timbre de voz era áspero. Obviamente que o público em geral nunca saberia estas diferenças, mas eu soube na primeira cena. E no ultimo ato, quando ficava nua, ela não descolou um segundo sequer os olhos de mim. Dançava e movimentava seu corpo com maldade nos gestos. Não havia espaço para doçura, apenas desejo. A cada olhar disparado em minha direção eu sentia uma garra esmagando meio peito com toda a força. Meu coração latejava na minha garganta. A ereção foi inevitável.

Ao fim da peça, quando a platéia ainda aplaudia de pé, eu levantei e fui ao banheiro. Ao abrir o zíper toquei meu pau e num ato reflexo me masturbei, como nunca tinha feito na vida, assim, fora de casa. Um pouco antes de gozar ainda pensei o quão absurdo era isso tudo. Essa mulher, essa obsessão. Enfim, essa punheta num lugar público meu deus. Que diabos estava acontecendo comigo? Na saída do toalete ela estava me esperando. Eu achei que fazia parte da minha loucura. Fiquei paralisado. Nunca tinha falado com ela. Era a primeira vez que a via de tão perto, que sentia seu cheiro. Jamais tinha percebido sua temperatura. Aproximou, pegou minha mão direita e levou até o nariz. Sentiu o cheiro da porra, que a pouco havia sido expelida e inspirou mais forte como se quisesse o odor dentro dela. Uma nova ereção embriagou meus sentidos e os acontecimentos que se sucederam nos minutos seguintes são apenas cortes de um clipe rápido. Voltei para o banheiro com ela agarrada ao meu quadril com as pernas feito um aracnídeo. A intensidade com que aqueles lábios delicados percorriam meu pescoço e a violência dos beijos desencadearam uma onda de prazer irreversivelmente forte. Tive vontade de gritar. Eu só pensava em gritar. A língua dela foi a chave para abrir um forno quente, um inferno, cheio de maus espíritos. Toda a minha culpa ia embora junto com qualquer outro pensamento. Era apenas eu, presenciando eu mesmo vivo dentro dela. Usei também das minhas chaves. Os olhos dela que pareciam em transe, logo se transformaram num olhar de cadela, de compaixão. Ela implorou. Eu gritei. Ela gritou.

Gritamos outras vezes mais. Em outros banheiros, quartos, camas. Gritamos mais alto. Berramos. Mas não há grito que sustentasse o amor daquela atriz. Os dias que estávamos juntos pareciam cansá-la do papel de namorada, de esposa. Ela queria outros papéis para representar. Ela queria outro público para encantar e descobrimos que o que ela amava era o que conseguia despertar em mim. No fundo ela gostava apenas do início.

 Hellfrick