Wednesday, October 27, 2010

Hotel Bagdá

“Eu preciso ser salvo. Esta é a única conclusão. Eu preciso que alguém ou coisa me resgate.” Abro a porta pensando na introdução do texto que tento finalizar há meses. Reparo que 0 do 205 está soltando da porta e penso que talvez seja melhor eu mesmo comprar cola e fazer o reparo. Entro no quarto e sinto o cheiro dos meus livros, todos empilhados em cima do aparador. É uma das coisas que eu mais gosto neste quarto, ele tem cheiro de livraria. O aparador também é meu. Comprei por uma pichincha numa liquidação nestas lojas que se vende e troca de tudo. Achei que ia combinar com o clima do lugar. Várias coisas são minhas neste quarto de hotel. O espelho, por exemplo, ganhei de aniversário da minha mãe e trouxe direto pra cá. É a cara do guarda-roupa brega cheio de adornos nos cantos. A cadeira vermelha atualmente é o móvel que eu mais aprecio, sobretudo porque achei jogada no lixo e consegui recuperá-la. Lixei, pintei de vermelho e coloquei uma almofada de camurça. Quando olho para ela sinto sempre uma ponta de orgulho por ter participado do seu renascimento. Fiz todo este serviço de marceneiro aqui dentro, o que me rendeu semanas de alergia e reclamações por causa do cheiro de tinta. A camareira reclamou tanto que dispensei o serviço de quarto. Eu mesmo passei arrumar minhas coisas.
 


Dormi a primeira vez aqui há uns 02 anos quando precisei fazer uma pequena reforma no meu apartamento. Gostei tanto, me senti tão bem que decidi alugar por tempo indeterminado e hoje em dia toda terça-feira passo algumas horas neste hotel. Não que tenha alguma coisa especial, é um quarto comum, típico destes hotéis no centro: cama, uma mesinha, guarda-roupa velho e um banheiro com azulejos azuis. Com o passar do tempo fui trazendo livros, discos antigos e até algumas peças de roupa que só uso quando estou aqui. São coisas exclusivamente minhas. Objetos de uma época livre que a vida vai se encarregando de esconder em porões e fundos de armário. Aqui estas coisas ganham vida, parecem construir um cenário onde eu sou o único cenógrafo.

Hoje saí mais cedo do trabalho para comprar vinho. Aproveitei pra levar também duas taças. Geralmente passo na mercearia da esquina e compro algumas cervejas. Mas hoje é uma noite especial. Hoje pela primeira vez vou receber alguém. Esta noite o passado resolveu me visitar. Olhei no espelho e pensei em fazer a barba. Mas o que minha esposa vai pensar quando eu chegar em casa com a barba feita? Pra minha mulher digo que vou jogar poker nas terças-feiras. Não sei se ela entenderia a razão da existência deste quarto. Provavelmente pensaria que estou tendo um caso e mesmo que acreditasse que eu fico aqui sozinho, duvidaria certamente da minha saúde mental. É difícil de explicar para alguém casado contigo que isso tudo representa um espaço que nunca poderá ser ocupado por ninguém além de mim. Decidi que hoje vou me arriscar, vou fazer a porra da barba e foda-se. O que seria da vida sem estes pequenos riscos para exercitar nossa coragem?

Saio do banho. Sento na mesinha e encaro meu laptop. A página de Word aberta é um convite para mais uma tentativa de concluir o texto. Reescrevo a introdução e continuo lendo o primeiro parágrafo: “Eu preciso ser salvo. É isto. Esta é a única conclusão. Eu preciso que alguém ou coisa me resgate. É isso que eu descobri quando eu comecei a simplesmente me abandonar. Quando eu, de uma hora pra outra, parei de curtir. Deixei de escrever. Deixei de gostar de futebol aos sábados. Deixei de gostar dos meus tênis. Deixei de ler meus livros. Deixei de ouvir minhas músicas. Apenas deixei que a coisa toda ocorresse por cima do meu cadáver. E agora estou aqui deixado. Abandonado por tudo que eu deixei.” Termino de ler o parágrafo e apago todo o restante. Talvez o texto devesse ser só isso, sem complementos. Não existe um mínimo de palavras para um texto se tornar um texto de verdade. É apenas uma questão de aceitar que algumas coisas são o que são. Mas na maioria das vezes não conseguimos, nem sequer tentamos, viver com esta idéia. Talvez eu precise aceitar o fato de que eu nunca te esqueci. Talvez eu precise aceitar de uma vez por todas seu amor. Meu coração dispara. Ouço batidas na porta. Sei que é você. Hoje serei salvo.

Hellfrick

Monday, June 07, 2010

♫ ...mas é tão bom estar com você, juntinho do meu coração... ♫

Contei todas as batidas do meu coração pra ajudar o tempo passar até você chegar. A saudade alimenta o amor como se fosse um monstro faminto. E saudade é dor doida, tritura a alma e desregula o espírito. Quando você finalmente entrou pela porta, os segundos diminuíram a velocidade e em paz, um abraço eu te dei. O telefone tocou. Uma explosão de ciúme e desespero abalou toda a estrutura do tempo e a madrugada durou mil anos de purgatório. O alarme tocou. Senti no estômago uma fisgada de alívio. Apesar do sol, a manhã permaneceu gelada, mas a luz mostrou sua vocação natural de ser esperança.

Hellfrick

Wednesday, May 26, 2010

Quinta-Feira

Esta é um breve historia de amizade. Uma amizade urbana, como várias outras que se formam na solidão e no desespero. Como outras tantas que se desfazem pela vida daqueles buscam liberdade e pagam por ela em duras prestações diárias. Sem casa pra voltar nem novela pra assistir, vagam procurando nada mais do que si próprios e fazem deste caminho uma estrada excitante, cheia de trechos dolorosos e curvas perigosas. Mas ainda sim, não trocam cem metros desta viagem por nenhuma outra jornada menos feliz.

Conheci os dois quando ainda quebrava um galho como revisor de publicidade numa das várias agências que trabalhei como freelancer. Dani e Mauro já formavam uma dupla de criação quando saímos a primeira vez para beber numa quinta-feira. É fato que já eram amigos, mas é certo também dizer que precisavam de mais um elemento pra coisa toda acontecer. Dani é aquele tipo de mulher que você se apaixona no primeiro encontro. Te conta todos os segredos em menos de 30 minutos, o que faz você imediatamente desistir de qualquer investida. Ela é sempre demais para os homens. Bonita demais. Inteligente demais. Louca demais. Essa foi a primeira de muitas quintas-feiras que nos encontraríamos religiosamente. Acredite você ou não, Dani foi de pantufa para o bar. Ela comprou na promoção das Lojas Americanas e dizia combinar com a blusa.

As quintas-feiras se transformaram numa espécie de dia sacro. Não se podia marcar futebol, baralho, depilação ou o que fosse. Era a nossa data. Praticamente não nos víamos outros dias e quando nos encontrávamos por acaso, numa quarta-feira por exemplo, era como se fôssemos apenas colegas de trabalho. Não que a companhia de ambos não fosse boa o suficiente para os outros dias, mas as mesmas circunstâncias da vida que permitia nosso encontro apenas num dos dias da semana, também o proibia em outros. Mauro bem que tentava me carregar para as festinhas na república dele, mas eu sempre inventava um cinema ou um teatro pra ir. Dani também não gostava das festas no AP do Mauro. Segundo ela “era um bando de pseudo-intelectuais falando nada com nada”. Mauro fazia o estilo nerd maconheiro. Sempre aparecia com umas edições antigas da Virginia Woolf e adorava contar histórias sobre grandes autores. Era fã do Hunter Thompson e sempre vinha com um papo sobre fazer um jornal de literatura. Papo esse que nunca rendeu uma edição sequer. Eu gostava de conversar com Mauro, tinha sempre um ponto de vista alternativo, bem diferente do meu. Trocar idéias com ele sempre me levava para lugares desconhecidos de mim mesmo. A única coisa que não dava para falar com Mauro era a respeito de futebol. Apesar de se dizer são-paulino o cara não sabia nada, nem nome de jogador, nem nada de regras. Enfim, era um dos poucos temas em que ele não se aventurava a discutir.

Como só nos sobrava a quinta, fazíamos dela sempre uma ocasião especial. Dani gostava de dizer que deixaria de ir no bar apenas em caso de morte, dela própria. E mesmo quando seu pai faleceu e foi enterrado numa quinta-feira, Dani foi ao bar tomou uma dose de cachaça e chorou compulsivamente por toda noite. E durante quatro quintas foi assim: uma dose de cachaça e lágrimas. Até tiveram algumas tentativas frustradas de se introduzir outras pessoas no trio, mas depois que Mauro levou uma de suas namoradas e ela foi embora da mesa sem que ele sequer notasse, percebemos que naquele (nosso) dia não haveria espaço pra mais ninguém. Quando Mauro casou, eu tive a certeza de que nossas “quintas” estavam com os dias contados. Mas segundo ele “teve o cuidado de se casar com Uma que fazia yoga todas as quintas”.

E nossa amizade, regada a cachaça e cerveja floresceu de quinta em quinta até chegar o ponto, meu caro leitor, onde quero chegar. O ponto que quero contar. O momento, na minha opinião mais bonito e triste de qualquer história de amor – o fim. Não que eu não goste de inícios, mas tenho um apreço especial pelo período final, pelo segundo tempo, pelo último alto. É no fim, que o caos nos chama pra dançar.

Como já foi informado, esta história tem fim e o nosso começou quando Dani terminou o namoro, que diferente dos outros, resistiu 02 anos às quintas-feiras. O que, convenhamos, não é fácil pra nenhum macho saber que sua namorada enche a cara com 02 marmanjos pelo menos 01 dia da semana. Eu já conhecia o sujeito e sinceramente achei o cara meio banana pra Dani. De qualquer forma, não vem o caso de falar sobre o cidadão aqui. Acontece que no dia do rompimento (era uma quinta) ela apareceu diferente no bar. Com os olhos vermelhos, ela chegou à mesa e abraçou o Mauro com uma força que não era normal. Brindou o primeiro copo avisando que iria encher a cara. Apesar de visivelmente triste, ela estava bastante eufórica, falando e rindo sem parar. Os risos deram lugar a um tom exaltado de voz e palavrões em quase todas as frases. Mauro olhou pra mim como se quisesse dizer “hoje vamos ter trabalho”. E quando Mauro saiu para ir ao banheiro, Dani logo levantou mesmo sabendo que só tinha um banheiro no bar. E quase como miragem, eu avistei a esposa de Mauro acenando e vindo em direção a mesa. Ela nunca aparecia, a não ser para pegar o Mauro bêbado sem condições de dirigir. Quando avisei que ele estava no banheiro, ela saiu dizendo que iria “dar um susto nele”. Como numa epifania premonitiva eu esperei a volta da esposa, que passou por mim chorando e derrubando quase tudo que estava na mesa pra pegar sua bolsa.

Eu nunca soube os detalhes, mas tava na cara que Mauro e Dani estavam se pegando na porta do banheiro. Ambos alegam não saber o que realmente aconteceu e colocam a culpa na bebedeira. Mas segundo a Esposa, que dia desses encontrei no supermercado, Mauro jurou que Dani se jogou em cima dele. Versão que obviamente não foi suficientemente forte para manter o casamento.

Separado da mulher, Mauro fazia da segunda, terça, quarta e quinta um eterno fim de semana. Dani, com a consciência do que aquele dia provocou na vida do parceiro, acompanhava ele em quase todas baladas. E eles a transaram a primeira vez, na mesma época que começaram a cheirar cocaína. Dani amava tanto o amigo que parecia querer preencher o vazio que o fim do casamento deixara na vida de Mauro. Estava disposta a assumir a culpa de tudo e salva-lo de toda a tristeza. Mesmo que isso custasse sua própria felicidade.

Mas nós sabemos que não se preenche amor com amizade. E apesar dos primeiros meses o casal ter demonstrado estar bem, soubemos, eu e Dani, que nenhuma quinta-feira seria igual depois que Mauro pela primeira vez em anos não apareceu, não ligou e não atendeu o telefone. Dani tinha virado sua esposa. E a quinta-feira dele tinha virado quarta, em outro bar, com outros amigos.

Soube ontem pelo Facebook do Mauro que eles já não estão mais juntos. Dani inclusive me enviou um e-mail dizendo que está indo pra Londres. E sempre que o garçom do bar, que foi o principal cenário desta história me pergunta a razão pela qual não bebemos mais juntos, lembro daquela noite que a esposa do Mauro apareceu no Bar. Quando ela saiu, nos sentamos e nos entreolhamos com a certeza de que a quinta-feira seria só mais um dia semana.

Hellfrick

Thursday, March 11, 2010

Foi por isso

Talvez nem tenha sido pelo seu moletom verde com capô que eu tenha te oferecido carona naquele dia de chuva. Eu nunca vou poder dizer que foi o sorriso. Até você entrar no carro, nem sequer tinha visto seu rosto.

E falar que foi o perfume seria a mais pura mentira. O primeiro cheiro que senti de você foi de “pinto molhado”, mistura de suor com chuva. E pra ser sincero, seus olhos não me chamaram tanta atenção assim, apesar de achá-los irritantemente lindos hoje em dia. E se alguém disser que foi seu All Star, idêntico ao meu, digo que foi pura coincidência.

Não, não foi por isso. Muito menos por termos nadados juntos na enchente, que te causou uma infecção terrível no ouvido. Infecção que me obrigou a levá-la pro hospital e ver você chorar pela primeira vez.

Até você ter ido dormir na minha casa naquela noite, eu não tinha a mínima idéia da razão pela qual eu iria te entregar toda a minha vida. Na verdade, até ontem, quando recebi sua carta, eu apenas desconfiava. E agora que você foi mesmo embora, fico pensando nestes anos todos depois daquela carona. Minhas lembranças apontam para um instante, que instintivamente meu coração injusto julga como o grande culpado disso tudo. Eu nunca culparia você. Mas a cena de você andando na tempestade, com as mãos no bolso, caminhando como se fosse o primeiro dia da primavera...

Hellfrick

Tuesday, March 02, 2010

Nosso amor tá assim

Nosso amor tá cansado. Fragilizado. Virou funcionário público.
Nosso amor vai aderir à greve. Quer férias.

Nosso amor tá tinhoso, malandro.
Tá se exibindo pra solidão.
Tá dançando com o pecado, dando carona pro azar.

Nosso amor ta truncado. Jogo ruim.
Final de campeonato.
Zero a zero no placar.

Nosso amor tá feio, brega, cheirando mal.
Falta classe, estilo.
Nosso amor nem faz mais a barba.

Nosso amor morreu. A falência foi decretada.
Nosso amor naufragou.
E renasceu num mar de lágrimas.


Hellfrick

Tuesday, January 26, 2010

Para aumentar su belleza


Thursday, January 07, 2010

Dono de si

Para nós, malditos que escolhemos ser livres, cabe a propriedade de toda escolha.
O arrependimento é só nosso. Não tem quem culpar.
Carregamos a dor pelo caminho torto.
Catamos os próprios pedaços e colamos com lágrimas nossas.
Mas orgulhosos como um pai, carregamos a medalha da liberdade.

Hellfrick